A EFETIVIDADE DO TREINO EM CASA REALIZADO POR ATLETAS DAS CATEGORIAS DE BASE DA GINÁSTICA AERÓBICA
- Borelli
- 3 de abr. de 2020
- 6 min de leitura
Atualizado: 23 de abr. de 2020

Infelizmente o momento é bastante crítico, não temos uma data certa para a volta de nossas rotinas e esse hiato prejudica toda uma sociedade e consequentemente os atletas, impossibilitados de cumprir seus rigorosos programas de treinamento.
A Olímpiada de Tóquio que seria realizada em julho deste ano já foi postergada para o ano que vem, todas as competições sejam de âmbito nacional ou internacional provavelmente também serão afetadas em 2020.
Mas certamente em algum momento a situação começara a entrar na normalidade, muito terá que ser reconstruído e aqueles que conseguirem uma manutenção parcial neste período turbulento, seja de seus negócios ou de sua rotina de atividades físicas por exemplo, terão um retorno mais rápido e efetivo.
Para atletas, independente da modalidade, a carga de treinamento moldada de acordo com os princípios científicos do Treinamento Esportivo é o fator crucial de seu constante desenvolvimento e evolução.
No que se refere a aplicação da carga é fato que fora do ambiente de treino tudo fica mais complicado para se reproduzir, principalmente nas Ginásticas onde se faz necessário o uso de pisos e aparelhos específicos, sem contar a variabilidade de saltos, acrobacias e figuras que são pertinentes a essas modalidades, a dificuldade aumenta ainda mais.
Apesar de todos os contras do cenário atual em função do Coronavírus é importante que se busque algo perto de uma manutenção da intensidade e volume de treino próximo daquilo que estava planejado para o momento, mesmo que seja dentro de casa.
No caso da equipe que sou o preparador físico (Palmeiras) tivemos um Ciclo Preparatório de 15/janeiro até 01/março, e na sequência, de acordo com a programação, entramos no Ciclo de Montagem Coreográfica (02/março) que se estende até 12/abril.
Neste ciclo atual ainda existe uma atenção grande aos treinamentos de força (predominantemente específico mas ainda com uso de cargas gerais), cardiovascular, flexibilidade e técnico. Todos eles podem ser adaptados para o treino em casa e como a coreografia de competição ainda se encontra em fase de construção pode ser treinada em espaço bem reduzido para que se assimile e aperfeiçoe dentro das possibilidades.
Os saltos, em pé ou com quedas, ficam com sua execução bastante comprometida e não é aconselhável realizá-los fora do ambiente próprio, desta maneira o recurso mais viável é a inclusão de exercícios de impulsão e pliométricos prescritos com bastante segurança para manter a força específica voltado aos saltos básicos.
Meu intuito nesta publicação não é dissertar detalhadamente sobre o treino e sim procurar entender a efetividade do treinamento realizado em casa quando comparado ao do cotidiano do clube através do controle da carga interna de treino.
MONITORAMENTO DAS CARGAS DE TREINO
Diversos autores já publicaram um bom material sobre monitoramento do treinamento, caso tenha interesse em um conhecimento mais profundo a realização de uma pesquisa buscando nomes como Foster, Impellizzeri, Coutts, Gabbett, Tibana, Moreira entre outros será bastante proveitosa.
Resumidamente a carga interna diz respeito ao efeito que determinado estímulo de treino tem sobre cada atleta tendo uma dependência multifatorial como idade, maturidade esportiva, forma física, estado de espírito, fadiga acumulada e outras variáveis relacionadas.
O método da percepção subjetiva de esforço (PSE) após a sessão de treino (proposto por Foster) tem sido avaliado como uma das melhores alternativas para quantificar a carga de treinamento principalmente pelo seu fácil entendimento, relativa simplicidade, ótima aplicabilidade sem nenhum recurso tecnológico e custo zero.
Para o cálculo da carga interna de treinamento diária após aproximadamente 30’ do treino finalizado o atleta aponta sua sensação de fadiga numérica na escala de PSE e o número fornecido deverá ser multiplicado pela duração da sessão de treinamento em minutos expressando a magnitude da carga interna daquela sessão de treino. O valor numérico será quantificado em UA (Unidades Arbitrárias).
Ex: - Sessão de treino = Flexões
- Duração do treino = 20’
- PSE do treino = 6
- Total de UA = 20 x 6 = 120 UA
Como no treinamento da Ginástica Aeróbica existe um grande número e variabilidade de sessões de treino a minha opção é de quantificar cada sessão de treino e realizar uma somatória total no final do dia.
Ex: Segunda-feira: Fortalecimento = 80 UA/ Flexões = 120 UA/ Cardio = 140 UA / Flexibilidade = 130 UA/ TOTAL = 470 UA
Além da carga interna de treinamento diária, a carga de treinamento semanal total também é calculada por meio da soma das cargas internas diárias dos sete dias contidos em cada semana.
Outras 2 variáveis muito importantes devem ser analisadas, uma conhecida por Monotonia das cargas de treino, que é definida pela mensuração da variação do dia a dia no treinamento durante uma semana de treino, sendo calculada através da média da carga semanal de treino divida pelo desvio padrão da carga de treinamento correspondente a uma semana.
De acordo com a literatura valores de Monotonia acima de 2,0 contribuem para fatores negativos no processo do treino, podendo ocasionar desde um overreaching não funcional até o desencadeamento de uma situação de overtraining, tornando-se assim um ótimo marcador do controle e distribuição das cargas de treino.
A outra variável é o Strain que avalia o estresse que o organismo do atleta está sendo submetido e é computado pela multiplicação da soma das cargas internas diárias da semana pela monotonia.
O Strain também está vinculado ao nível de adaptação ao treinamento, e nos períodos de aplicação de cargas elevadas associados a uma alta monotonia parece ser um fator para ocasionar um aumento na incidência de doenças infecciosas e lesões.
ANÁLISE DO CONTROLE DA CARGA DE TREINO REALIZADO NO CLUBE E EM CASA
O planejamento para 2020 foi montado através de 6 ciclos estruturados no decorrer do primeiro semestre (Preparatório, Montagem Coreográfica, Intensificação Coreográfica, Pré-Competitivo e Competitivo), sendo que a discussão a seguir é voltada para os 2 primeiros ciclos.
Esse tipo de programação longa foi elegido por se tratar de categorias de base que requerem um tempo mais prolongado de preparação e também pela primeira competição da modalidade ocorrer apenas no final do semestre (Ciclo Competitivo).
O Ciclo Preparatório teve suas 2 primeiras semanas (20/jan-01/fev) destinado às avaliações físico-técnica, antropométrica e de equilíbrio de força e amplitude muscular.
A partir do início efetivo do treinamento (02/fev) foi dado início a coleta dos dados individuais para o monitoramento das cargas de treino já explanadas no texto acima.




Através da análise das Unidades Arbitrárias (UA) a primeira semana do Ciclo Preparatório (02-09/fev) mostra uma característica típica de adaptação, seguida por outras duas (10-23/fev) com cargas mais intensas. A quarta semana(24/fev-01/mar) apresentou uma redução caracterizando um microciclo com características para promover uma melhor recuperação e uma posterior supercompensação.
Nesse ciclo (Preparatório) as cargas de treino, em sua grande maioria, são dedicadas a preparação física.
A partir de 2/março o Ciclo de Montagem Coreográfica teve seu início e o aumento da carga de treino ficou bastante evidenciado pois, além da preparação física ainda bastante alta, entra simultaneamente o processo de construção coreográfica que dispende, além de um esforço considerável, um tempo grande nesta fase de aprendizado e assimilação da coreografia.
Com a quarentena imposta a partir de 16/mar a preocupação foi tentar conservar o mais próximo possível os valores da carga interna das 2 primeiras semanas (02-15/mar) pois os valores atingidos são uma boa referência para o padrão atual do Ciclo de Montagem Coreográfica.
A estratégia foi manter o volume, a intensidade e a frequência dos treinos a mais próxima possível sempre colocando a segurança das atletas em primeiro plano. As ginastas foram orientadas para seguir as planilhas elaboradas para esta fase treinando sozinhas e também através dos treinos on line com o comando da técnica da equipe e do preparador físico, tornando o ambiente mais motivante e interativo entre treinadores, atletas e equipe.
Um outro fator muito importante observado foi que as atletas, por terem que mandar sempre ao final do treino diário a PSE para o preparador físico fez com que se mantivessem focadas, comprometidas e disciplinadas pois mesmo longe a cobrança e a responsabilidade se mantiveram.
Através dos gráficos é possível observar que mesmo perdendo um certo grau de especificidade e adaptação da maioria das sessões de treinamento em função de ter que realizar os treinos em casa, os valores da carga interna (diária e total semanal) se mantiveram elevadas nas 2 primeiras semanas da quarentena (16-29/mar) tendo uma pequena queda de 7% quando comparado a média dos valores das 2 primeiras semanas (02-15/mar) do Ciclo de Montagem Coreográfica realizadas no clube.
A Monotonia apresentou valores baixos o que caracteriza um bom equilíbrio na aplicação das cargas de treino mantendo o Strain controlado.
Esse ciclo tem seu término em 12 de abril e seguiremos com a mesma estratégia até seu encerramento.
A partir do próximo ciclo (Intensificação Coreográfica) os objetivos, parâmetros e características mudam bastante e não será possível acompanhar nem adaptar os treinamentos de alta especificidade que requerem o ambiente próprio para sua realização.
Para finalizar essa postagem é possível especular que o treino feito em casa proposto para o momento parece ser bem efetivo e a partir do próximo ciclo as perdas serão muito significativas, mas será plausível se a pandemia se mantiver por um tempo mais prolongado uma grande probabilidade que a competição terá sua data modificada e quem trabalhou de forma eficiente e contínua nesta ocasião de dificuldade poderá retornar com vantagem.
Na Fé sempre, que tudo retorne ao normal o mais rápido possível!
Achei bem relevante também por manter as atletas com um nível de comprometimento mais elevado e também para averiguar a eficiência das cargas aplicadas no treino em casa. Grande abraço meu amigo
Caraca Borelli, totalmente atual neste momento... Muito boa a sua ideia de verificar a carga de trabalho em momento como estamos passando.